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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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domingo, 5 de junho de 2016

é algo como isso e fim

Escrever é quase medo.
Não ficar.
Canto algum.
Um lugar. Lar. 
Pocilga.
Flor. 
Escrever é um não perdoar para perdoar. 
Um confronto. 
Faca. É o fundo.
Sofrer de cor, de palidez.
Absolvição. 
É um bode colorido. 
Perdoável.
È um bode. É Chagall. 
É para os grandes.
É a esquina, o boteco, chão, teto, é teto e chão.
É solitário.
Sagrado.
Não mete-se. 
É sério, piada.
É o copo. 
É a taça. 
O meio vazio.
É o cheio.
Escrever é depois. 
Não eu. 
É Machado.
É antes do possível.
A página no lixo embolada.
É o peito líquido.
Fatiado peito.
É a vela. A veia.
Alforria. 
Alegria. Embriaguez. 
É lama. 
Chão. 
É Dalí e Dumont.
As estrelas de Bilac.
É quase fim.
É quase.
E eu não gosto do som elétrico desta palavra.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Notícias amarelas, é maio ainda

Mari, 


quando as vi amarelas, tão rosas e escancaradas no jardim, lembrei do Chico e depois de você. “Era você além das outras três”. É como se fosse uma letra de Chico cantada pela Mercedes Sosa, sabe? Acho que acabei fazendo as pazes com a terra depois de tanto tempo sobrevoando. E este escândalo, talvez, foi a maneira que elas encontraram de me dizer que “tudo bem”. Andei errando a mão e o verbo, mas foi bom ter para onde voltar… Gracias. Dias desses meus pais estiveram aqui em casa. Pegamos nós três na lida da terra e depois de tudo muito limpo, meu pai sacudiu o tronco da primavera que ainda tinha muitas flores de cor maravilha prestes a se desprender e caíram na terra varrida. Minha mãe fez pose se açucareiro e riu da besteira que tinha explicação. “Agora ficou bonito”. Pensei em indicá-lo a um editor amigo meu, pela poesia improvisada. Ele “se sentiu”. Então eu percebi que de dark, maio não teve nada. Não é bonita a maneira como as pessoas inventam de consolar a gente? Meu pai é um capricorniano fazedor de contas assumido. E ele acabou por fazer poesia da mesma forma que conta piadas sem verificar se a gente está quase rindo, já rindo ou se vai rir. Pensei que ele ainda tinha algo a me ensinar. Ele riu de canto a canto. E fiquei mais feliz por ele ter ficado feliz, sem me dar conta, de momento, que ele pensou o mesmo. “O pai, às vezes, dá uma dentro, né fia?” Ô, Mari, me diz se a gente aguenta? A vida não é mesmo igualzinha como o Guimarães escreveu?
P.S.: Hoje é aniversário da Tallita. Fiz toda sorte de molecagem com ela e falei de você, que lembrou bem dela. Quando ela disser algo bonito, porque vai, eu te conto.




Fotografia | minha, do jardim limpo com flores de primavera caídas


sexta-feira, 13 de maio de 2016

Sobre uma carta chegada pelo correio em estado, raríssimo, de papel e tinta


Estranhamente, caminhei devagar para o quintal com árvore para ler debaixo. O abacateiro estava cheio de florezinhas. Na época, eu contava em meses a gestação dos grandes frutos fortes em cada cacho lotado de branco e verde-claro. Aquele nascimento tinha cheiro, ainda mais aroma. "Tallita faz guacamole". De primeiro, gostei do modo como as linhas de Tallita desciam quando alcançavam o final da folha e, depois, como subiam de volta nas linhas debaixo e quase encostavam nas outras. Foi a primeira vez que tive sonhos marujos. Ela tinha uma letra que enrolava os érres como caracóis na língua, e escorregava suave nos finais dos êmes. Ela falava por plurais. Gatos. Folhas. Flores. Sombras. Plantas. Pinturas. Por vezes, saltava algum singular à vista, era porque eu havia sido injusta na falta que eu sentia dela. Eu exigi Tallita, como quem exige os direitos humanos em praça pública, embora muda, mas aos berros. Entender coisas de mundo foi complicado para ambas. Recuar é o estado defensivo e sem frestas que encontramos, em nosso caso, a favor do mundo. Mas, ecoei ainda assim, embora igual a ela, dentro da sacralidade que é a solidão de um indivíduo. Levei uma bronca de nuvem. Da que passa, volta outra, a mesma, faz sombra e deixa o sol se exibir, delicadamente transparente. Tallita tem extensão de rio seguindo o seu nome. E fluviava. Antes dessa amizade, eu só havia batido o pé por um relógio de pulso, lá na infância. Foi a única birra da vida. Muito mais tarde, na juventude, um doutor chinês, após me conceder o atestado do dia por tensão muscular crônica causada por ansiedade, fez a receita: abandonar relógio (até hoje o ouço com sotaque). Era o mesmo relógio. Como são os mesmos, os palpites musicais que Tallita me manda de tempos em tempos. Ser lembrada é melhor do que ser frequentada, resumo.

Dia desses, sabendo de uma grande tristeza minha, ela ligou.

Fim.

SP-RE





sábado, 16 de abril de 2016

Carta solitária (sobre o tempo)

Hoje esquentou demais. O asfalto vaporizou todos aqueles coloridos falsos de embrulhos de bala e maços de Marlboro abandonados. Entonteci. Eram 3 da tarde e eu consegui catar uma folha seca no chão, eu me lembro. Era tão bonita que eu trouxe pra casa e pensei em enquadrá-la. É possível que eu faça. Porque, além do vapor bonito enturvando o horizonte, o encontro de um outono que ainda não veio, me comoveu. Lembrei da Adélia, a Prado. Ela escreveu algo sobre guardar coisas lindas n'algum canto pra poder abrir depois e reviver a emoção. Algo assim. Não vou procurar o escrito na íntegra, quero que fique assim, malacabado na lembrança, só sentido, e inacabado como Picasso gostava de falar sobre suas telas. Acabar é acabar. E não é por isto que escrevo hoje. Acho que acordei continuando, sabe? Há dias que a gente acorda assim… Houve também uma fotografia que usei para a capa de um livro. Outonal? Invernal? Foi tão bom criar com coisas continuadas. Me deu ânimo, gás. Gosto de fotógrafos que me deixam pensar. E a artista é tão jovem! Lembrei daquele diretor francês precocemente brilhante, o Dolan. Eu fico a Deus dará no mundo de alegria quando encontro coisas assim, coisas carentes de serem remexidas sem que sequer mova-se nada. Foi uma semana de tensão nos ombros, mas de espreguiçamento de alma. E sobreviver? Também é poesia? O gato da vizinha sobreviveu a um envenenamento proposital de humano. Foi outra tensão. Mas, quando o dia nasce continuando, o que é que consegue acabar?





A imagem tal da capa, que é da artista Alice Heck


terça-feira, 29 de março de 2016

Fastio

Dormir pouco.
Acordar cedo.
Trabalhar muito.
Não ganhar o suficiente.
Acreditar. Desacreditar.
Escrever e apagar.
Fingir que não percebeu.
Se fazer de bobo.
Relevar.
Meditar.
Acreditar de novo.
Seguir.
Ter ideias.
A poesia abranda. 

Desviar do tapa.
De graça.
Pirraça.

Plantar uma árvore no chão do planeta que não tem outonos.




terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Carta atrasada a Bernardo Oliveira, ou como dizemos, a quem interessar possa.

“Como assim você sofre de atrasos?”
E, todos os verbos se enfileiraram, expectados, aos pés do meu vazio de explicar. Ele também.
Depois de algum silêncio, (por que eu ainda não deixo que o silêncio exista?), arrisco, agora que tudo é, eu não sou mais. E isto é sempre.
Ele suspira como quem tenta entender se há muito tempo dentro de pouco espaço ou o contrário. Há muito dele em ser agora e pouco eu sendo. “Isto não é atraso, mas uma espécie de adiantamento com atrasos no final.” É quase confortável pensar que ele tenha certa razão, confesso. Não demora e eu aponto o imenso dicionário naufragado na estante e inflexiono uma cara de “para quê?”. São tantas as palavras e, nenhuma, de fato, serve. Uma ou outra apertam demais. Algumas pinicam de forma que só saindo delas. Mas as piores são as que não consigo estar. São enormes. Procuro o buraco das mãos, da cabeça, caber justo, não acontece. Mas penso em árvore e fico nela por muito tempo.
Então digo, e não sei depois de quanto tempo…
Contam que, Vincent van Gogh, ao ser questionado sobre certa maluquice em pintar árvores tão altas que iam além das estrelas, estas, que estão a milhões de anos-luz das árvores, um absurdo, sorrindo respondeu que as árvores são o anseio da terra para transcender as estrelas. “Estou pintando anseios, não as árvores.” Seria este o meu atraso em relação ao chão? Do que é, em relação ao que queria que fosse e que, arquitetonicamente, e tão ainda mais inconsciente é buscado, como com os arranha-céus?
Ele sacode a cabeça confuso, e com uma paciência paternal, reabastece nossos copos e me diz, muito amorosamente: “Você nunca se foi de fato, embora se lance o tempo todo. E muito emboramente esteja sem estar". Ele ri do “emboramente”, já sabendo que eu ia gostar.




Ah, se eu não fosse tão atrasada de adiantamentos… Tentei me fazer alcançar mas eu era longe. Eu juro.





domingo, 17 de janeiro de 2016

À Halina Olhier

Carta à Halina Olhier


Queria ter te escrito um poema. Uma poesia. Mas perdoe-me a intimidade, sinto um espaço fluído entre nós, quase deslizante. É raro sentir isso, pois que optei por uma carta. Além do recesso – espero – temporário de inspiração.

É provável que aqui você encontre espectros de poesia ou halos enormes de reconhecimento e consideração, o que por si só já é poesia, mas a palavra, esta flui sempre como uma conversa debaixo de árvore. E temos entre nós, um respeitável momento de silêncio. Mais pra frente quero te contar sobre o silêncio. Outra coisa rara.

Tenho sentido um sufoco enorme. Por abraçar tanto as pessoas, todas, quase perdi o dom dos braços. E é sempre bom ter com quem sofre tão nuvem, tão brisa, tão vento que não sufoca. Seu ego não veste botas, mas asas. E só é assim, por sua puríssima honestidade. Outra coisa rara. Honestidade esta, sem desespero, apesar dos pesares. É como se você respeitasse o sofrer do outro sem saber do que se trata e nem se se trata maior que o seu. Sabe o quão grande é isso? É enorme.

Bukowski já havia dito que as pessoas o esvaziavam. Senti esvair de mim, a mim. Mesmo segurando o peito, derramei. Sei lá onde fui parar… Por isto, inventei bifurcações. Era preciso partir sem fazer o caminho contrário, sabe? Só ir sem desprezo, mas com algum desencantamento. Há tanto desespero no mundo, Halina, tanto! Que eu não podia mais ser cúmplice de aflições estendidas e engessadas e escolhidas. Daí eu vejo você lutando. E é tão bonito! Sabe-se lá, Halina, de você… Sabe-se lá! Mas você escolhe ler, você escolhe encher a tua vida de arte e de glória. Você escolhe amar. Todas as dúzias de pássaros que imagino te voam. E te dançam e te agradecem. Você poderia ter escolhido nos desesperar a todos ou nos fazer conformar com tudo, mas não.


Sobre o silêncio, me perdoe a ausência da bibliografia, eu leio demais. Leio, de placas publicitárias a serviços de compra de ouro e prata e implante dentário. Mas, sobre o que eu gostaria de te contar sobre o silêncio, diz respeito ao pensamento. É o que ficou em mim, basicamente. Penrose, o físico, caminhava com algumas pessoas pela rua. E é claro que iam dissertando sobre muitas coisas, como todos fazemos em conjunto. Em dado momento, precisaram atravessar a rua e então fizeram aquele silêncio característico que fazemos ao atravessar uma rua. Foi ali, exatamente ali, que ele concebeu a teoria dos buracos negros. Num pequeno momento de silêncio. Mas, retomado o “conversê”, ele se esqueceu do que havia pensado. E só retomou o seu pensamento, momentos mais tarde, ao se lembrar do silêncio que fazemos ao atravessar uma rua. 


Halina, agradeço pelos momentos de compreensão silenciosa dos meus momentos de confusão e os hiatos, sem nenhuma cobrança destes novos tempos. Momentos meus, que são em verdade e puramente, nada mais que, cabeça na lua. 
Acredito que nesses momentos, estamos parindo algo muito importante. 



Um abraço muito apertado, foi bom demais te conhecer, 



Zi.







terça-feira, 12 de janeiro de 2016

À Mariana Gouveia

Mari,

me perdoe a demora, caí em 2016 um tanto perdida. A vida é uma tontura só. 


Conforme a sua teoria, há poucas coisas que não mudarei em nada pro's lados de cá: o alecrim vingou, a roseira amarela deu três rosas grandes de uma só vez e escancarei, fotografei um sol cor-de-rosa. 



Mas um dia teu nome amanheceu triste em Minas Gerais. Pra depois entardecer sagrado. Eu conto. Separei roupas e utensílios para doação, surpresa foi que me impediram de enviar, pois as doações já tinham sido tantas, mas tantas, mas tantas mesmo! Não é bonito? Então, decidi botar cortina em todos os cantos da casa e meus. Quero ver o vento dançar comigo como dança com as folhas soltas no quintal. Quero arejar, porque esvaziar eu fiz demais. Você sabia, Mari, que alguns físicos dizem que tempo e espaço é tudo a mesma coisa? Pois é. 

Achei engraçado porque a mim serviu justo. Eu não a vejo, Mari, há 1,329 km em linha reta. Porque tempo, não se mede mais entre nós.





E foi bom 2016 começar em Ana. Foi sim. 



Te amo, feliz ano inteiro.




Para você um sol com pétalas, lá de Aparecida do Norte.