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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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sábado, 12 de outubro de 2019

Uma forma de lembrar de você


Hoje à tarde, acompanhei minha mãe ao médico, na volta, depois de furtamos umas mudas de plantas sobrando pelos muros, passamos por um Sebo e logo pensei em você, Wend. 

Entramos. Dezenas de estantes altas e cheias. Falei gesticulando largamente com os braços: ele deve ter todos eles, mãe. Minha mãe riu e fez aquela cara de “os amigos da minha filha”, sabe? Depois de vasculhar bastante, e confesso, bastante perdida, fui para a letra A de Adélia, o que era você virou eu, ou para mim, mas que era você. Nada de Adélia. Nenhum. Tristeza. Pressa e cansaço da mãe, 32 graus em São Paulo, seguimos sem livros. Combinei comigo de visitar um outro lugar guardado nas minhas vontades, lá haveria de ter uma poesia pra você. Mas ali mesmo no caminho, encontrei algumas. 


Tinha uma calçada arrodeada de flores amarelas caídas de um ipê já pelado, ninguém que andava por ali pisou. Ninguém. Foi tão bonito ver as pessoas se desviando para não pisar nas flores, que eu quis trazer esta calçada pra você. E parecia que o ipê me piscava exclamado: Grande! Passou até a canseira da mãe, ela ama flores e incentivamos a parada, de pelo menos, umas seis pessoas para admirar o espetáculo. Burburinhos e fofocas doces sobre a primavera… Já quase chegando em casa, a mãe pergunta: e que você vai dar pro seu amigo? - aquela calçada, mãe. - Deus do céu, fia! É cada uma!



P.S.: Quando chego em casa, aquela sua carta. Eu brigo com o mundo, mas fico sem graça. Tenho jeito pra ingratidão não. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Aceitando iscas

Faz um tempo, peguei mania de gravar áudios das minhas poesias favoritas e enviar para alguns amigos, acabei perdendo a mania, por desgosto. Até os poetas estavam xingando, muito. Comecei a xingar também. Alguns palavrões eu nem nunca tinha xingado. A Lu, a Recieri, acabou por me empolgar de novo, mas pelos contos poéticos. Ela me envia muitos, ela não desistiu, nem o Wend, o Wendel. Hoje ouvi alguns que ela enviou assim que acordei. Fiquei maravilhada. Levantei como quem fosse pra guerra e fui direto no Rubem Alves na estante. Gravei alguns contos e mandei para os dois. Fiquei imaginando, boba, eles ouvindo com fone de ouvido no ônibus, árvores nos canteiros das avenidas passando como filmes nas janelas... O Wend, ouviu na hora e já respondeu, foi a fome. A Lu, tava fora de área mas eu sei que anda sempre testando ingredientes, fome. Estou impressionada, e não é algo novo, como essas pessoas da poesia aguam a nossa alma e nos estimulam brotos novos, tão competentemente. Infelizmente o bruto se sobrepõe ao belo neste mundo. Mas não fossem esses doces salvamentos, nem o bruto teria mais poesia para brigar.





Fotografia | minha, quintal de casa, Bougainvillea.




sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Fuga sem piano


N
ão sabia fazer coisa melhor na vida que fugir. Era a minha especialidade. O resto, ensaio.                                                                           
A primeira vez que quase completei uma fuga, deveria ter pouco mais de um ano de vida ainda. Após isso, só aperfeiçoei o crime. Contam em quase toda pequena reunião de Natal, que minha mãe lavava roupa no quintal, em frente à casa em que morávamos havia uma oficina mecânica, algumas casas de aparência desabitada, horizonte periférico e uma ponte. O chão de terra batida era tão seco que parecia areia. De uma outra oportunidade, minha madrinha havia me ensinado a jogar pedrinhas no rio que dava sentido a essa ponte, madrinha esta, que dividia comigo o nascimento sob a mesma lunática constelação avoada. Doida de pedra, pedra preciosa. Engatinhando resoluta, capacete de crochê branco e com o tão simples propósito de atirar pedrinhas na água, eu fui, sozinha e sem a mãe perceber, escrevendo com os joelhos na areia o restante dos meus anos. Desconfio do efeito em mim, das formas hipnóticas dos arcos aquáticos que engrandeciam e sumiam tão logo a pedrinha desaparecia na modesta profundidade daquelas águas. Minha mãe, pobre coitada, no trabalho pesado de esfregar e torcer as roupas, se distraiu o suficiente que era pouco. - Dona, Dona, sua filha está indo pra ponte! - era o moço da mecânica, apavorado. Corre corre e gritaria, eu já estava debruçada em meio pequeníssimo corpo para fora da ponte. Sem pedras. Uma mão firme e materna por debaixo de mim me alçou, nunca antes eu havia presenciado tanta gente junta e fiquei enjoada. Bendito moço da mecânica. Meu anjo da guarda ganhou o primeiro calo na asa.
Teve um guri na escola, ali eu já tinha uns 12 anos. Calado, sardento e bastante sozinho, talentoso em colorir os muros que cercavam a quadra de futebol. Quermesse da igreja e eu recebo um "correio elegante" dizendo: te espero perto da barraca "tal", um beijo, Daniel. Eu fugi para o outro lado, eu gostava dele, de um jeito parecido com o das cirandas nas águas, mas mais bonito. A gente aprende com a gritaria, que as coisas bonitas ferem. Ele não me procurou, como covarde eu esperava que fizesse, não era mesmo o seu estilo. Chorei o que pude na esquina da minha casa, o restante guardei. Primeira fuga concluída com sucesso, e eu já estava muito bem aparelhada para conceber Chopin.
Alguns anos mais e Chico Science morreu, ouvimos a notícia no rádio do boteco, jovem e brilhante, chorei no banheiro pra ninguém ver. Na parede, o sorriso dele no interruptor de energia. Fugi de lá.
Teve um cara depois, teve uma situação a seguir, outras coisas, todas acirandadas, cintilantes.
Volto pra casa e escrevo sobre tudo. Agarro o magnífico com todos os erres e esses, exclamações e olhares. E me dá mesmo a sensação de que nunca terminaram depois que eu saí.

Dzieje się.