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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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sexta-feira, 20 de maio de 2016

Notícias amarelas, é maio ainda

Mari, 


quando as vi amarelas, tão rosas e escancaradas no jardim, lembrei do Chico e depois de você. “Era você além das outras três”. É como se fosse uma letra de Chico cantada pela Mercedes Sosa, sabe? Acho que acabei fazendo as pazes com a terra depois de tanto tempo sobrevoando. E este escândalo, talvez, foi a maneira que elas encontraram de me dizer que “tudo bem”. Andei errando a mão e o verbo, mas foi bom ter para onde voltar… Gracias. Dias desses meus pais estiveram aqui em casa. Pegamos nós três na lida da terra e depois de tudo muito limpo, meu pai sacudiu o tronco da primavera que ainda tinha muitas flores de cor maravilha prestes a se desprender e caíram na terra varrida. Minha mãe fez pose se açucareiro e riu da besteira que tinha explicação. “Agora ficou bonito”. Pensei em indicá-lo a um editor amigo meu, pela poesia improvisada. Ele “se sentiu”. Então eu percebi que de dark, maio não teve nada. Não é bonita a maneira como as pessoas inventam de consolar a gente? Meu pai é um capricorniano fazedor de contas assumido. E ele acabou por fazer poesia da mesma forma que conta piadas sem verificar se a gente está quase rindo, já rindo ou se vai rir. Pensei que ele ainda tinha algo a me ensinar. Ele riu de canto a canto. E fiquei mais feliz por ele ter ficado feliz, sem me dar conta, de momento, que ele pensou o mesmo. “O pai, às vezes, dá uma dentro, né fia?” Ô, Mari, me diz se a gente aguenta? A vida não é mesmo igualzinha como o Guimarães escreveu?
P.S.: Hoje é aniversário da Tallita. Fiz toda sorte de molecagem com ela e falei de você, que lembrou bem dela. Quando ela disser algo bonito, porque vai, eu te conto.




Fotografia | minha, do jardim limpo com flores de primavera caídas


sexta-feira, 13 de maio de 2016

Sobre uma carta chegada pelo correio em estado, raríssimo, de papel e tinta


Estranhamente, caminhei devagar para o quintal com árvore para ler debaixo. O abacateiro estava cheio de florezinhas. Na época, eu contava em meses a gestação dos grandes frutos fortes em cada cacho lotado de branco e verde-claro. Aquele nascimento tinha cheiro, ainda mais aroma. "Tallita faz guacamole". De primeiro, gostei do modo como as linhas de Tallita desciam quando alcançavam o final da folha e, depois, como subiam de volta nas linhas debaixo e quase encostavam nas outras. Foi a primeira vez que tive sonhos marujos. Ela tinha uma letra que enrolava os érres como caracóis na língua, e escorregava suave nos finais dos êmes. Ela falava por plurais. Gatos. Folhas. Flores. Sombras. Plantas. Pinturas. Por vezes, saltava algum singular à vista, era porque eu havia sido injusta na falta que eu sentia dela. Eu exigi Tallita, como quem exige os direitos humanos em praça pública, embora muda, mas aos berros. Entender coisas de mundo foi complicado para ambas. Recuar é o estado defensivo e sem frestas que encontramos, em nosso caso, a favor do mundo. Mas, ecoei ainda assim, embora igual a ela, dentro da sacralidade que é a solidão de um indivíduo. Levei uma bronca de nuvem. Da que passa, volta outra, a mesma, faz sombra e deixa o sol se exibir, delicadamente transparente. Tallita tem extensão de rio seguindo o seu nome. E fluviava. Antes dessa amizade, eu só havia batido o pé por um relógio de pulso, lá na infância. Foi a única birra da vida. Muito mais tarde, na juventude, um doutor chinês, após me conceder o atestado do dia por tensão muscular crônica causada por ansiedade, fez a receita: abandonar relógio (até hoje o ouço com sotaque). Era o mesmo relógio. Como são os mesmos, os palpites musicais que Tallita me manda de tempos em tempos. Ser lembrada é melhor do que ser frequentada, resumo.

Dia desses, sabendo de uma grande tristeza minha, ela ligou.

Fim.

SP-RE