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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

do perdão




Tentei deitar os olhos por mais noites seguidas do que eu pude contar. Mas parece mesmo que eles tinham muito mais a fazer, como ficar dando visão aos pensamentos muito bem acordados de uma cachola ressabiada. 
Precisei me juntar a eles para não ficar sozinha na cama. Só o coração implorava um sono eterno, mesmo sob o hipnótico efeito de fé que o tercinho azul operava ao balançar por entre meus dedos, enquanto eu mirabolava um perdão além das possibilidades.
Precisávamos salvar vidas ainda naquela noite ou então tudo teria sido em vão. Por algum motivo, que não desprezo, a mente daquele moço ficara no automático de suas fraquezas enquanto ele estava... não sei onde. E por isso, tomei a raiva por impulso, como um análgésico que decidi por não administrar a cartela toda. Afinal, o moço não só se perdera como não havia conseguido ainda se encontrar. Compreender sua consumição era como estender nuanças mais leves pelos dias. Coisas das quais me sobram no olhar. E escrever foi apenas a menor distância que encontrei para abraçar. Quem sabe que eu assim, consiga lançá-lo à um mergulho desatado para dentro de si. E eu seria feliz. Ainda mais, se  puder um dia ensinar aos meus filhos, onde fica abrigada a alma. Não quero mais correr o risco de esbarrar numa ausência assim tão funda. Uma herança de respiros valiosos. 
Mas na verdade eu só precisava dizer ao moço, que tivemos as vontades bifurcadas a medida que nos aproximávamos do espelho. E que por isso, agora somos apenas e muito, a moça e seus sonhos, o moço e seus caminhos, mas com tons e força diferentes. Precisava dizer que essas eram as únicas chaves que eu possuía para abrir todas as gaiolas das quais criamos. Viver não precisava doer. Mas eu precisei. Como preciso dizer, que foi assim que gastei as dores todas, uma a uma nas contas daquele tercinho azul de rezar. 








'Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos.'
 Guimarães Rosa




Imagem, Amanda Cass

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sem adulto vigiando...




"Por que você não cresce menina?".

É o grito implacável do tempo a incomodar nas minhas orelhas. Só sei franzir a testa e continuar fazendo o que estava tão deliciosamente tramando. Carinhos num cartão, desenhos com borrão. E a vida pintada para fora do risco, às vezes chinelo, às vezes não...  Faço escondida do patrão, com medo do ladrão que leva o instante embora... Medo de me deixar amontoada num cantinho desse corpo espichado pelos anos. Se é sempre tempo de sonhar mais alto, se o céu sempre arruma condição pra vôo, por que não? E do tempo, faço as pazes com ele também.
 Eu ainda me vejo pequenina, alvorossada, batendo os pézinhos, a cada vez que ameaço o seu futuro colorido, de cantora, médica ou atriz. Por ela, sempre arrumo tempo de voltar a perguntar. Estou de castigo hoje? Que eu fiz? Você me perdoa? Podemos brincar agora? Vamos desenhar um coração?



Pelo dia das crianças e por todas as crianças que estão de castigo, por todas as outras que só precisam ser chamadas no portão, eu chamo.




Volta que esse mundo só precisa de você.
 (...)
 Não fique ai enterrada,  vem para a rua...
 - Cordel do fogo encantado



A imagem, novamente, é da brilhante Amanda Cass



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Menino saudade







Leonardo é quase saudade. Penso que talvez ele até a tenha inventado com suas ferramentinhas de cativar e já que também a palavra não possui equivalente em outras línguas. Penso eu...
Embora ele imagine ser apenas um regador dela, só mudou o sentido para modo de não assustar tanto. Foi o que fez, polarizando saudades no trilheiro que dá para o meu quintal, onde nascem pés de nao-vejo-a-hora e volte-logo. E como ele gosta de vir regar, eu deixo. Dizem que cria casinha de pássaro a arvorinha que cresce debaixo dos olhos do dono. Seu olhar segura afeição na gente!
Seu sentir descomparado, desenha manhãs na paisagem. E a inocência se encarrega de prolongar os domingos. Haja visto, pela falta que ele faz. Leonardo é quase uma saudade!


Pelo aniversário de um amigo por demais especial, uma alma distinta e cativante. Leonardo







A imagem é da Amanda Cass