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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Embate

Então agora, restamos apenas nós dois, coração. Vamos ver quem bate mais forte.






Imagem | Le fabuleux destin d'Amélie Poulain




sábado, 23 de novembro de 2013

Um sorvete, enquanto o sufoco vai passando...


                Entro na sorveteria um pouco sem jeito, tem dias que a gente acorda simplesmente não cabendo... Ou, sei lá.
             Este verde é de que moço? 
         O rapaz de avental azul-ultragás se aproxima do balcão, pisca os dois olhos rapidamente, pisca de novo, entorta um pouco a cabeça para ler a etiqueta úmida com letras borradas e respira tão perto do vidro, que embaça, o que não estava fácil, piorou. Pisca, pisca, pisca... Ele tem cílios enormes, penso, já me julgando a psicopata dos cílios. 

       – Pistache, moça! Ou é de menta? – e sorri embaraçado. Não quero confundi-lo ainda mais porque pensei em kiwi, então lhe peço uma prova na pazinha, que ele me concede feliz, ele escapou... Estou por minha conta. 
    – Pistache! – eu digo, como quem descobriu um continente que acabara de emergir no oceano índico. Talvez fosse. Ele se alegra com as sobrancelhas exclamadas. – Mas que diabos é pistache afinal? - falo, com vontade de gargalhar... - Que seja! Eu vim atrás de esperança mesmo... E este tom de verde parece me acalmar. 

      Se eu havia me julgado mal por conta de um par de cílios, que iria ele pensar agora de uma estranha que entra numa sorveteria atrás de esperança? Ele gargalha, estou salva. 

      – Perdeu o emprego moça? – arrisca.
      – Eu? Absolutamente. Trabalho eu tenho demais, não posso reclamar. Talvez seja isso... Ou não.
      – Então talvez te falte um namorado, é casada moça?

   Epa! Ganhei um pretendente de cílios enormes ou ele apenas trabalha na sorveteria para bancar a faculdade de psicologia? Desanimo logo em que me alinho melhor com a segunda opção. São anos de experiência em auto sabotagem, enfim.

  – Solteira, de alma e certidão. – respondo apontando o maior pote da prateleira em que ele poderia me servir o tal sorvete de pistache, ou menta, ou kiwi. - A vida esta sem gosto mesmo. Vim pelas cores. Logo...

   E me sentei, aparentemente sem pressa, eu e meu monstrengo sorvete verde. A pressa era por dentro.

 – Você parece uma moça legal! – ouço a voz generosa vindo detrás do aglomerado de tonéis de sorvetes coloridos.
  – Talvez, nobre sorveteiro, talvez. Ou talvez eu não seja daqui, só vim parar. Digo assim... No mundo. Como quem caiu aqui.
  – Parece sim, legal. Talvez um pouco diferente. – generoso de novo, gargalho no meio da explanação...  Não é todo dia que alguém sai em busca de esperança. Eu mesmo, semana passada estava sem nenhuma e consegui este emprego. Quem diria que eu iria vender esperança em plena terça-feira! 
 – Quem diria! – acrescento animada, enquanto faço um gesto engraçado segurando a barriga, de quem já esta satisfeitíssima e nem chegou na metade do pote, imenso.

  – Quanto é? 
  – Não é nada. Esperança é de graça.
  – Embrulha?






sábado, 16 de novembro de 2013

Meu amigo não entende nada de poesia, mas chora.


     - Chora Zi. 


     - Não dá tempo, droga, eu tô tão atrasada...

     - Quem disse aquela parada de arrumar tempo pra chorar tudo que não dava tempo?

     - Drummond, Caio...?

     - Caio F.?

    - Não, criatura. Caio é você, seu nome, não? Céus! – gargalhadas - Drummond foi quem escreveu isto, foi uma pergunta daquelas retóricas... Drummond né? De só podia ser, sabe? “Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar". Algo assim.

     - Ah, entendi. Bonito isso viu. Por que você não marca uma hora Zi?

   - Choro sai a hora que ele bem quer, temperamental. E tem choro que demora, não dá. Quem vai pagar minhas contas? É sempre assim. Penduro o choro no ombro, junto com a bolsa pesada e vou indo quase perdendo o ônibus.

    - Eu mesmo enchi o olho de água hoje de manhã. Não entendi direito, mas chorei, mas foi bem pouco. 

     - Chora Caio.

     - Agora não dá. Tô atrasado... É então.







quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Esperanto


Meu amor é um lugar qualquer entre um suspiro e a curvinha do pescoço dele.
























Ilustração | Ana Oliveira 



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Reforma ortográfica


Quanta deselegância. Capturaram o pássaro do voo. 
Acentos são bons para pessoas que como eu, 

não sabem desenhar.








sexta-feira, 2 de agosto de 2013

sobre os anéis e os campos


     Como se já não se soubesse que em poetas, desligados e outros tontos, há, me parece, um campo magnético protetor. As coisas todas que não servem, é que se desviam. Mas eu falo tonto, não sonso, nisso há diferença de inverso.

        Um bêbado que não se sabe como chega em casa, se o cachorro da porta do bar que o guia ou a sombra dos postes no caminho. No bolso o crachá de trabalhador. As coisas do caminho é que parecem se desviar. Vai saber dele... Não me atrevo. Todo mundo tem um motivo uma hora ou outra.


         De repente, eu atravesso a rua distraída. Um carro vira a esquina a toda. Gente grita - Uhh! - Como num quase gol, não pegou. Foi por um triz. Que sorte. É o campo. Já de longe, um elogio do motorista paulistano. Me lembro então da Iracema, a do Adoniram, que o carro pinchou ela no chão. E o chofer não teve "curpa". E nem um retrato dela, ele guardou. Só as meias e os sapatos. Engulo seco, me corta o peito também, a voz do Adô. Prometo ao céu prestar mais a atenção. E é pra ele, que eu caminho olhando. Feito coisa de tonto. Olha lá caindo um balão... Pensamento vertical. 



       O que eu pensei? Já vuou. Deve de servir para compor os bambolês de Saturno as coisas que eu penso. Melhor para o alto. Porque pensar pelas ruas de cabeça baixa, faz de o pensamento cair deitado de braços abertos nas calçadas, junto com os folhetos de implantes dentários e compra de ouro e prata. Abandonado de ninguém querer.E as coisas alheias, seguem assim, se desviando de mim. 

          É o campo.













sábado, 13 de julho de 2013

Mas tudo bem, o dia vai raiar


E então, às vezes, tenho disso. 
De correr em direção ao primeiro jardim e pedir que as flores me
façam um pouco de silêncio. 
E elas trocam seus aromas por alguns dos meus suspiros.
Eu tenho qualquer coisa com cheiros.
Ele era um bandido, mas era tão perfumado... Já aconteceu. 
Ou, como quando volto assustada do centro da cidade, com o cheiro cinza-chumbo-buzinado que a chuva grudou em mim.





Fotografia - alecrim | Ziris








quinta-feira, 4 de julho de 2013

Céu de gravidades

Aposto que você tem pintinhas nas costas. 
Uma noite, eu pensava nelas como estrelas num
céu de cores invertidas. 
Contava-as com a ponta dos dedos e criava 
universos paralelos com naves invasoras e alienígenas curiosos. 
De ligar os pontos, desenhei alguns montes, 
uma árvore, uma ave e uma flor. 
De um canto a outro das tuas costas fiz um quintal
com a nossa casa no meio.
E apaguei tudo num carinho, antes que a gente acordasse.









Fotografia obtida junto ao Tumblr.  Tratada e adaptada para o texto.




quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ode à espera


Pode parecer loucura mas passei a assinar meus bilhetes com uma bela carimbada do dedo polegar, imaginando quem pudesse descobrir a verdade por trás do escrito.

Mas quem os encontrava, primeiramente pensava - e essa agora?!


Tempos longos... No armário de comida, os grãos organizados em cromática escalação. O gato quase aprendendo a falar ou eu a miar.
Uma fornada de biscoitos esfriando sorridentes no fogão. Atravesso o corredor de olhos fechados e julgo um feito chegar até o quarto sem dar nenhuma topada. Na quina da porta um Louva-Deus gesticula admiração. É impressão ou as paredes avançaram vida adentro? Um quadro pensa o sol preguiçoso entardecendo jasmineiros e as nuvens formando borrão... De perto tudo é tão maior... Um distinto inseto se apresenta ao nariz do cão. Cinco Beija-flores arruaçando, bem uns seis Bem-te-vis voando e um Canário triste na gaiola do Alemão. Um ensaio de voo na sombra dos braços abertos e fico gaivota. A joaninha apressada na pétala, quer conversa não. 
A vida espia com suas absortas sobrancelhas. 

A lua tem mesmo um aroma azul-cintilado ou é Monet querendo causar impressão? Para fazer a cama, capricho nas dobras do lençol. Mas se eu me deito, os olhos acordam. Coração palpita no portão...








Fotografia | Ziris


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Em frente, até entardecer.



Moro numa rua que termina pra sempre. 
Tem tanta solidão nela que vim morar. 
E até clap-clap de sapato é um acontecimento! 
Antes de mim só eram os bem-te-vis, 
antes das árvores, das flores, antes de céu, 

creio até que antes de tudo.








Fotografia | Ziris



sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sobre a sorte


     Ontem à tarde, o dia marcou quatro horas e trinta e dois minutos, por umas duas horas mais ou menos. Dessas tardes em que a gente esquece o olhar num lugar qualquer do chão, daquele jeito meio entressonhado, enquanto que só as nuvens passam... Instantes revelando o sol, outros fazendo a sombra já gelada de final de abril. Parece uma gripe.

     Em frente do jardim, contei o tempo em que uma formiga levaria para escalar a minha bota ortopédica. Meditei sobre os tombos. Eu caio com certa frequência. E muitas vezes nem me machuco. Quedas lentas, registradas ângulo a ângulo por quem assiste, como aqueles moços dos programas de esportes na tv fazem para entender melhor o gol da seleção. Só então eu pouso no chão, como quem estava a performar um número de dança moderna. Há duas explicações para os meus tombos e que se emendam. Uma, que nasci sob a constelação de Sagitário, diz-se de pessoas um tanto desastradas, que caem, esbarram nas coisas e trombam nos batentes, mas que são influenciadas pelo seu planeta regente Júpiter, que lhes garante sorte e expansividade. Eu assino. Outra, que eu realmente acredito que se tentar me segurar em qualquer coisa que estiver por perto, estarei desperdiçando boa parte da minha sorte tentando evitar um tombo. Daí, eu não poderia reclamar se não me casei com aquele moço dos olhos mais lindos do mundo! É preciso sorte pra isso. E depois, eu também quero continuar tentando na Borboleta lá no jogo. E para isto, é também preciso que as canecas aqui de casa não combinem. É quase impossível encontrar uma igual a que se quebrou. Por exemplo, quando eu percebo que uma delas quer voar das minhas mãos com café e tudo, eu deixo. Até as canecas têm o direito ao fim. Eu fico triste, gosto muito de canecas.  Mas se elas querem escapulir das minhas mãos maternas e estatelarem-se ao chão como marias loucas varridas, o que eu posso fazer? Se eu tentar evitar isto, estarei influindo na lei natural das coisas, minha e delas. Minha de ser estabanada de nascença e delas de serem malucas. Todas as canecas são. E por conseguinte, penso que é preciso deixar as coisas à vontade com seus destinos.  Isto gera outra sorte. E a teoria maniqueísta de separar as coisas entre bem e mal pode bem ir passear, porque há males que vêm pra bem.
     Mas eu também não facilito não. Tenho medo de usar salto alto e quebrar o pé. Raras vezes coloco essas coisas. Disseram que quebrar o pé dói mais que pedra no rim e que dor de parto dói mais que pedra no rim. Acho também que pessoas em sala de espera de Hospital têm uma estranha tendência em te apavorar. Se seu problema é no rim, então dói mais que tiro de fuzil, basicamente. Aprendi a rir disso e a sala de espera virou uma grande fraternidade das dores. Depoimentos daquele que caiu da laje quando foi endireitar a antena e só quebrou o braço e do tombo mais insignificante na história mas que deixou a criatura desfigurada. Quando expliquei minha teoria da sorte, todo mundo ficou mais tranquilo. Era dalí, imediatamente para o balcão de apostas.

     De volta ao jardim, observando os beija-flores rodeando a primavera florida, concluo que até Deus tinha medo de cair, quando os inventou assim tão perfeitos em seus voos. Nunca vi um que trombasse, nunca vi um que caísse. Como a lâmpada ter sido inventada, talvez pelo medo do escuro, o telefone pelo medo da solidão e a música para apaziguar o silêncio.

     Se os extraterrestres conseguiram mesmo chegar até aqui um dia, aposto que foi para imitar-lhes a engrenagem tecnológica de sobrevoar imóveis no ar, sem cair. Outra sorte. Nesse caso, dos beija-flores.




Fotografia | Ziris


quarta-feira, 10 de abril de 2013

Soberbas Coisas Ínfimas





A vida menina.
A dor ainda indolor.
Pequena anciã,
nos olhos o reflexo.
Talvez folhas caíssem.
Caía meu olhar de joelhos.
Qualquer coisa caía.

Ternura fere de amor.






Fotografia | Robson Mereu






* O título da publicação é o título de uma poesia de Manoel de Barros. 






sexta-feira, 29 de março de 2013

Grandeza


Às vezes, quando vejo alguém só, me lembro de um garotinho. Filho de uma amiga. Gabriel.   Sete anos, na época. Numa praça. Comigo.



- Tia Zi, olha o tamanhão daquele homem alí ó! Eu vou ficar grandão assim? Crescer dói?

Pensei sem responder e mesmo sabendo de que tipo de dor ele se referia: dói...



E então e finalmente, respondi, o que eu diria se tratar de um estratagema, mais para mim do que para o baixinho.



- Aproveite enquanto você é um cara bacaninha e pequeno, tá vendo como aquele homem já não cabe em lugar nenhum?


E Gabriel continuou olhando pra ele, solene.





Autoria da fotografia não identificada





quinta-feira, 14 de março de 2013

"Escapando-se"



Não posso ler no ônibus.

Me fura a poesia. Respiro.
Cutuco o senhor ao lado para furá-lo: suspira, tu também, que estás abafado. 




Sobre o poema de Eduardo Galeano -  Me ajuda a olhar, Livro dos Abraços - lido no ônibus num dias destes...






Fotografia | Agência Raízes



sábado, 16 de fevereiro de 2013

Negativos


Pensar é uma pedreira, estou sendo, já dizia Manoel. Bem de manhãzinha, já fiz amizade com um casal de velhinhos no metrô. Ela, unhas feitas, sapatinho limpíssimo apesar das ruas molhadas e acompanhada de um clássico guarda-chuva. Um primor! Ele, barba artesanalmente aparada, relógio antigo mas estimado no pulso, voz protetora. Eram um carinho só. E como sorriam! Ela mais. Ele no caso, era o compositor muito bem humorado das conversas. Acho que olhei tanto pra eles que devem ter pensado se tratar de algum tipo de psicopatia. Que tipo de louca seria eu, desta vez? Elderly Couple Serial killer? Nome grande demais para uma especialidade. No fim, era só curiosidade mesmo. Resolvi puxar assunto antes que acionassem a segurança. 54 anos juntos, responderam na lata a minha indagação para logo em seguida nascer outra. Mas como se consegue este feito? Quando o metrô precisa ir devagar, ele não vai, lamentei. Será que a gente precisa ter sempre esse olhar fresco por cima das coisas? Olhar de quem nunca viu? Era assim que ele olhava para a mãozinha dela, delicadamente enlaçada a dele. Ela idem, quando admirava a barba bem feita do cônjuge. É que estava muito bem feita mesmo, incrível! Mas é nesta equação em que se perde tanto tempo tentando resolver, que arrisco dizer que o resultado é zero. Não dá pra capitular pessoas. É preciso olhar como quem nunca viu. Mas só porque é assim que eu desejo ser olhada e eu não quero ter de passar margarina nas minhas laterais para conseguir passar pela porta estreita do outro. Nem quero usar o outro como almofada de costura, onde espeto meus alfinetes. Nem ser o prego destacado que o martelo mira. Não se pode chamar a caixinha de ferramentas de um homem de tralha. E o que as mulheres plantam em vasos não é mato, é flor. Tudo isto eu registrei. E agora são negativos fotográficos que vêm de encontro a estas metáforas. Quando o ego entra o amor sai, pensei também. E ego, de onde eu venho, é o sujeito mais mau humorado de que se tem notícia, um mediador de discussões. Não quero morrer de tédio. Quero que alguém me mate, mas de rir. O ego é o defensor da personalidade, li. Besteira. Eu quero mais é mudar de opinião. Quero olhar como quem nunca viu.


O casal desceria na Estação Santa Cruz, eu já havia estudado lá, então os orientei na direção a seguir, foi nossa despedida. Uma pena, à parte os compromissos, por muito pouco não os convido para almoçar em casa.

- A rua de vocês fica paralela a Av., tem um Ipê amarelo na esquina, não tem erro!
O Senhor riu da minha inocência, melhor teria sido usar um prédio como referência?


São Paulo, ainda me mata de vergonha.





Fotografia | Marielise Ferreira

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Carta à fevereiro


Coisas que eu precisava contar e foi a Luci quem ouviu. 
Amiga boa amiga.
 Mas agora pertencem ao fevereiro todo.






     Luci, será mesmo que de repente assim sem mais e nem menos eu poderia escrever à crianças? Elas ririam, ao menos. Meu Deus, como eu sou toda errada! A vida era mais fácil quando haviam as avós por perto. Sempre uma sacada genial, frases que eram quase versos, se não eram... Até hoje ouço Orlando Silva e entro em comoção, me lembrando do radinho de madeira onde minha avó paterna, a dona Xica, ouvia 'A Rosa' e entonava a voz para cantar junto dele, sorrindo. Na hora do tal 'pograminha' em que ele sempre cantava, ninguém ousava incomodar, senão ela dizia: Araaá, vai atrapalhar pra lá. - E as vezes até beliscava a minha perninha, porque eu queria deitar no sofá junto dela, mas eu não parava de me mexer. Ela dizia que eu tinha bicho carpinteiro (?). Hoje ela iria presa, pelo belisco. Que tempo ridículo o nosso... É, ela não se importava que atrapalhássemos, mas não naquele momento. Um ser libertário. Uma anarquista, eu diria. E gostava de 'sombrinhas', como gostava. Não tinha lugar que ela não ia com uma a dependurada pelo barbante. Contou até que um dia espantou um tarado com uma. Quando ela foi bater na cabeça do vadio, a sombrinha abriu... Naquela época os safados se assustavam à toa. Bons tempos. Vai ver que é daí que veio esse meu respeito por esses guarda-cabeças e costas. E pelos passarinhos. E as romãs. Quando ela estava partindo deste mundo, viu pássaros entrando pela janela do hospital, nunca mais esqueço. Quando eu morrer, precisa ser assim Deus meu! Enfim, é fácil se sentir desamparada num mundo deste tamanho né Luci? É comum? Eu sinto assim, dia sim, outro também. Eu tinha mais coragem quando era 'desaforenta'. Um dia a vó me 'tocou' da casa dela e eu fiz um bico do tamanho do universo. Minha mãe: a vó tocou ucê de lá né? Tava amolando ela né? -  E eu disse: só por desaforo eu vou lá outra vez. - Ô saudade de mim Luci! Ô saudade.

Fevereiro nasceu me sorrindo banguelas...





Esta imagem foi captada neste site: http://flickrhivemind.net/Tags/casa,quintal/Timeline
Infelizmente não consegui identificar o nome do autor, em todos os casos o link é este.





quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Diacrítico

Quantas emoções ainda podem ser captadas por uma sílaba que usa chapéu? Duas sobrancelhas tristonhas repousadas sobre a ausência e a distância?






Imagem | Johann Fournier



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Chorinho


Quando eu era bem pequena, chorava sempre mas não muito. Não era berreiro menos ainda manha. Era só aquela lágrima levinha caindo sem nem mesmo eu saber porquê. Nem choramingo era. Eu olhava para os pregadores sozinhos no varal e achava bonito, escorria. Um parafuso esquecido no chão, um cadeado enferrujado, lá vinha. Eu não via as coisas, eu as atravessava. Um dia ouvi minha mãe preocupando - 'Eu não sei mais o que fazer...' - E fui aprendendo a segurar, tanto... Cresci. E fui pra Faculdade de Letras. Desmoronei. Tornei a atravessar coisas e pessoas. Conheci gente que também atravessava. A primeira coisa que escrevi, levei pra casa e li. Minha mãe daí chorou dentro de um sorriso. Eu só soube dizer - 'Lembra daquele chorinho, mãe? É ele aí.'












terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Carta à Janeiro



Desta vez, trago-lhes notícias do mundo real.

Ele é muito real.


Nem tão feio quanto dizem e nem menos assustador do que pensávamos. Mas descontínuo e mais intrigante que o telescópio newtoniano. Há tanta ainda, mágica no ar, que eu poderia sufocar.

Agora, chove manso, o aroma que se desprende das folhas do esbelto eucalipto, invade as janelas que entardeceram de asas abertas. Só assim te escrevo. Quando o vento ganha  algum perfume.



Por falar em árvores, as que foram plantadas por toda a extensão da minha rua que tem nome de Lagoa, gosto de destacar, floriram. 

Uma vizinha palpiteira deu de me chatear dizendo que não eram plantas de florir, mas esta semana ao abrir a janela, alí estavam sorrindo rosa-claro.  Eu ralharia-lhe o engano, não fosse seu sumiço deveras oportuno. Cheguei até a pensar que flores eram seres extremamente vingativos e de audição apuradíssima. Não fosse pela chuva delas que tomei numa sexta-feira destas passadas, indo ao trabalho. Uma região de árvores centenárias. Ventava fresco e as florzinhas amarelo-ouro das altas Tibipuanas iam desprendendo-se de seus galhos, quase que em câ-me-ra  len-ta, e caindo por cima da vida da gente que passava. Por Deus, quase cantei o Hino Nacional! Há coisas que só acontecem neste país. Penso eu, em minha humilde bagagem de quem só visitou Piraporinha do Bom Jesus.

 Dalí em diante, pensei que em Janeiro eu seria feliz. Não que já não seja. Mas não é desta felicidade amiúde que eu falo. É bem outra. Ando até a conferir a sinastria, porque acredito que entre as doze constelações, uma combina com a minha.

Reformei algumas esperanças. Inventariei sonhos antigos por ordem de importância, não data. Comprei selos. Escreverei para longe e para aqui do lado.  Só pelo capricho de dar mais poesia à vida dos carteiros. 


E se o amor inquilino quiser entrar. Eu deixo ficar. 






Feliz 2013 gente!