.
.
.
.................................
Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Negativos


Pensar é uma pedreira, estou sendo, já dizia Manoel. Bem de manhãzinha, já fiz amizade com um casal de velhinhos no metrô. Ela, unhas feitas, sapatinho limpíssimo apesar das ruas molhadas e acompanhada de um clássico guarda-chuva. Um primor! Ele, barba artesanalmente aparada, relógio antigo mas estimado no pulso, voz protetora. Eram um carinho só. E como sorriam! Ela mais. Ele no caso, era o compositor muito bem humorado das conversas. Acho que olhei tanto pra eles que devem ter pensado se tratar de algum tipo de psicopatia. Que tipo de louca seria eu, desta vez? Elderly Couple Serial killer? Nome grande demais para uma especialidade. No fim, era só curiosidade mesmo. Resolvi puxar assunto antes que acionassem a segurança. 54 anos juntos, responderam na lata a minha indagação para logo em seguida nascer outra. Mas como se consegue este feito? Quando o metrô precisa ir devagar, ele não vai, lamentei. Será que a gente precisa ter sempre esse olhar fresco por cima das coisas? Olhar de quem nunca viu? Era assim que ele olhava para a mãozinha dela, delicadamente enlaçada a dele. Ela idem, quando admirava a barba bem feita do cônjuge. É que estava muito bem feita mesmo, incrível! Mas é nesta equação em que se perde tanto tempo tentando resolver, que arrisco dizer que o resultado é zero. Não dá pra capitular pessoas. É preciso olhar como quem nunca viu. Mas só porque é assim que eu desejo ser olhada e eu não quero ter de passar margarina nas minhas laterais para conseguir passar pela porta estreita do outro. Nem quero usar o outro como almofada de costura, onde espeto meus alfinetes. Nem ser o prego destacado que o martelo mira. Não se pode chamar a caixinha de ferramentas de um homem de tralha. E o que as mulheres plantam em vasos não é mato, é flor. Tudo isto eu registrei. E agora são negativos fotográficos que vêm de encontro a estas metáforas. Quando o ego entra o amor sai, pensei também. E ego, de onde eu venho, é o sujeito mais mau humorado de que se tem notícia, um mediador de discussões. Não quero morrer de tédio. Quero que alguém me mate, mas de rir. O ego é o defensor da personalidade, li. Besteira. Eu quero mais é mudar de opinião. Quero olhar como quem nunca viu.


O casal desceria na Estação Santa Cruz, eu já havia estudado lá, então os orientei na direção a seguir, foi nossa despedida. Uma pena, à parte os compromissos, por muito pouco não os convido para almoçar em casa.

- A rua de vocês fica paralela a Av., tem um Ipê amarelo na esquina, não tem erro!
O Senhor riu da minha inocência, melhor teria sido usar um prédio como referência?


São Paulo, ainda me mata de vergonha.





Fotografia | Marielise Ferreira

3 comentários:

  1. São raras as pessoas que observam o mundo como se este fosse uma grande novidade. Os detalhes estão aí para serem percebidos. Os detalhes se exibem. Sorte a sua notar.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  2. Talvez já conhecesse o Ipê.

    É raro, a vida é rara..mas acho que toda essa história de raridade é balela, a vida é sempre possível.

    ResponderExcluir
  3. Devo dizer que seu texto foi como um relâmpago que partiu o céu, não como um grito de adeus, mas como um lampejo incandescente que se juntou à luz dos olhos meus. As paisagens internas que minhas retinas fotografaram Zi, estas não lhe revelarei no tempo de agora. Prefiro negativá-las em minha memória.

    Abraço-te analógica.

    Sua, para sempre, Pipa.

    ResponderExcluir