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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Óculos de leitura




    Porque eu tive que repousar os olhos sobre um papel amarelado, coberto por garranchos, imaginando o quanto uma carta assim poderia revelar sobre quem a escreveu. Frases ébrias espatifadas por linhas invisíveis de emoção. E eu dependurada por uma letra, entre a linha que foi lida e a que foi rasgada. Um momento de silêncio incolor. Nesse caso me foi preciso mais que rodopiar os olhos por elas, foi preciso entender quantas emoções ainda poderiam ser captadas por uma sílaba que usa chapéu, como se fossem ainda mais, duas sobrancelhas tristonhas repousadas sobre a ausência e a distância. Mais que isso, eu precisava entrar em profunda intimidade com elas, deslizar minhas lentes de aumento pelos parágrafos, pincelando algumas carícias com os cílios. Já que um importante pedaço meu, estaria alí capitulado.

Talvez não à toa, a carta tenha se iniciado com uma crase suspensa sobre a letra que se antecipava a mim, como uma chuvinha do oeste prestes encharcar o papel, espalhando letras sobre os pensamentos. Em dados momentos até que era fácil imaginar o til como um sentimento etéreo, balbuciando em cima da palavra coração. Precisei olhar pela janela e verificar que o mundo continuava no mesmo lugar, enquanto vírgulas se fingiam de folhas batidas pelo vento, explicando a árvore. Meu coração roncava dentro do peito, me inspirando fraquezas de entender. Quantas das interrogações dispostas alí seriam apenas filhas imaturas, grávidas de inquietações? Uma frase tão esperada que desmaiava em reticências, feito estátuas de areia desfazendo-se com o vento... Ainda preferi acreditar que estava presa a alguma espécie de truque de pontuação, propositalmente aplicado para que eu pudesse repousar sentidos compartilhados de profunda exclamação ao final dos relatos. 
E talvez e não à toa também, tenhamos terminado, nós três em ponto final. Uma pedra no caminho. Ao menos para que pudéssemos juntas descobrir uma maneira de recapitular rabiscando novos caminhos...
Minha alma ao abandonar a tal valsa fluída, voltava ao corpo enquanto o ônibus fazia parada no meu ponto de descer...

 Haveria de ser assim, como na vida!


Imagem, Amanda Cass