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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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sexta-feira, 18 de junho de 2010

O tio do sovete





Ó o sovete, sovete, sovete!
Era ouvir de longe, e lá estava eu e metade do bairro a procurar moedinhas pra comprar o tal sovete. Mas isso nem era a diversão, não!
Bom mesmo era ouvir as histórias que o tio contava enquanto dicascava um picolé para dar de pouquinho em pouquinho para os meus cachorros. Logan era fã do tio, nossa se era! E o tio fã dele também.
O dia que ele chegou e não viu o Logan no quintal, foi triste! “Mai, cadê  o cachorrão preto, faz dias que ele não me espera no portão…”, disse ele, já dicascando um picolé! Daí falei rápido: “ele se foi tio, ficou doente e se foi.” Quando percebi que o tio ia chorar, mudei de assunto, mas ele continuou: “Você tá triste né? Cachorro bom que ele era, cachorro bom”. Depois sabiamente  mudou de assunto e ainda com lágrimas nos olhos acompanhando um sorriso amarelo, disse que tinha novidade.
Me explicou todo cheio de palavras novas, que demorou pra subir a rua, porque estava agora a vender remédio natural. Para esmagrecer, para colesterol, pressão-alta e mais um bando de coisa. Disse, todo feliz, que iria ser promovido gerente assim que recrutasse três novos vendedores.
Foi aí que engoli seco. Já tinha ouvido essa história antes. Gente que engana gente de bem, prometendo mundos e fundos porque viu nos olhos do outro a inocência e a vontade de vencer na vida. E o tio é um desses homens, puro, de fibra, que anda o dia inteiro, vendendo o sovete mais gostoso de se tomar na rua mesmo, alí com ele . Pensei no porque tudo ficou tão difícil… O tio estava empenhado em vender o remédio, porque parava mais de uma hora com cada pessoa na rua, explicando os milagres que o remédio operava. Mas ele ainda  carregava o carrinho de sovete pra cima e pra baixo. Parecia até que dentro do carrinho ele estava levando esperança ao invés do sovete. O povo nem estava mais saindo pra comprar, por causa da falação do tio e porque queriam o sovete com histórias e só. Tão enganando ele, pensei, tão enganando ele! Fiquei aflita e sem saber o que dizer, só que não tava precisando do remédio.
De que forma eu poderia  dizer a ele pra tomar cuidado, sem arrancar de uma vez de dentro do seu carrinho, toda aquela esperança?
Então tomei o sovete ouvindo a história do remédio, e terminei aquela conversa dizendo para ele não se esqueçer nunca de passar na rua com o sovete mais conheçido e delicioso das redondesas. Disse que se ele continuasse vendendo, um dia poderia ter uma sorveteria! Nesse momento a fronte suada do tio mudou, seus olhos negros brilharam e ele sorriu: “É fia, Deus te ouça, e se Ele ouvir Ele faz, porque Ele é bom”. Entrei em casa rezando para Deus ter ouvido e tenho certeza que ouviu!
Deus é bom, mas o tio é bom demais, tio bom esse!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Aparando o frio


Cismo pela janela, as primaveras pendendo em cachos cor-de-rosa em pleno inverno. Penso que deve ser a Ave-Maria costurando fuxicos pra uma colcha nova...






Segure a minha mão
Quando ela fraquejar
E não deixe a solidão me
assustar...
E mata minha fome
Nas letras do teu nome...

Raulzito

Não antes que...




Não digo que espero, assim de sentar e esperar. Um caminho é feito de passos. E ainda que seja pelas beiras, não posso tirar os olhos de mim. E eu conto mesmo é com o que sonhamos lá em cima antes de  pousar e que neste momento não me lembro, só sinto. Aprendi a rir dos argumentos do relógio. Esperança é uma palavra longa de se trilhar. A pressa é só por fora. Não se diz "acabou" assim tão sem som. Isso só acontece quando a boca não acompanha o passo do coração. Meus sentidos estão mortos de fome, entende? Algumas letras destas aqui, escorregaram entre os dedos e preciso apará-las rapidamente, antes que percam o caminho de volta pra dentro. É que eu também sei que aqui ninguém quer de verdade desistir. Não antes que a Doutora especializada nos Direitos dos Sonhadores, que eu contratei, consiga interditar de vez aquela loja de utensílios sem valor. Sob a acusação de venda indiscriminada de armaduras. Ela bem disse que é causa ganha. A gente vive é de se curar. Deus não inventaria feridas que não fecham. E eu sei que te devia esta página, que passei uma noite toda estudando.Um rito franco de asas e pontes. É que eu entendi que aquele não "não" nunca foi seguido de certezas e armaduras tem suas fendas...






A imagem é de Weberson Santiago

domingo, 6 de junho de 2010

chão, pé, caminho.




Sei bem que meus pés sempre estão onde tem de estar, no momento certo. A alma é que corre feito louca. Os pés vão devagar.

sábado, 5 de junho de 2010

tão longe e perto de tudo...




Por alguns longos minutos pra mim, fiquei pesquisando a doença que me acometia. Seria por isso que eu não conseguia estudar? Não conseguia prestar tanta atenção nas tramas corriqueiras… Orgânicamente eu rejeitava o que não usaria, nem a metade de toda essa  tanta  tagarelice?! Desinteresse, branco, indiferença?
Eu fui ficando alí, cada vez mais… Saindo… de mim! Feito menininha que passeia cantarolando baixinho, uns passinhos e um salto, mais passinhos, mais um salto… E eu sentada, distante e tão dentro dela, me pareceu que  demorei tempos para voltar aos pensamentos de antes… Alí tão distraída… Quem sabe que eu não era doente?! Quem sabe que eu só me distraía, como naquele momento em que possuía toda a beleza do mundo…

Ziris - o mundo não quer que eu me distraia...




Fotografia| Ziris



quinta-feira, 3 de junho de 2010

Em junho faz frio


O inverno chegou de vez. E eu não posso sair assim sem um casaco quente. Disso eu sei, mas como faz pra aparar o frio de dentro? A verdade é que andei prendendo a tristeza num saco preto, pra ver se resolvia. Resolveu. Dei um nó de marinheiro pra fechar. E só não joguei no fundo do mar com um pedregulho amarrado nele, porque gosto de ver a danada se remexer lá dentro. Tem gosto pra tudo. Prefiro isso a regar o pé de pulga atrás da minha orelha.
A mãe não sabe mas faz tempo que não choro. Com tanta manha eu passaria sem presente no final do ano. Deus sabe como essas datas mexem comigo. Tem um tal 12 de junho... Tô vendo que terei de costurar mais um saco preto. Atrasei o riso, nisso que dá. 
O inverno chegou mesmo. Mas se eu não aprontasse essa do saco, quem me salvaria de ser adulta quando eu precisasse?


A ilustração é de Ana Oliveira


terça-feira, 1 de junho de 2010

O palhaço e a equilibrista


Daí que arrastei-me em direção àquela lona de promessas, de onde a pouco eu saíra tão esperançosa com a arma em punho, presente do palhaço que só tinha aquilo pra me dar… Meus dedos cansados carregavam a tal ameaça com seu peso infinitamente maior que todo o peso do mundo. Narrei-lhe o drama. Que havia mirado bem no coração “dele”… Mas aquela rosa-vermelha que saíra do cano experiente da arma, não o acertou, definitivamente! Eu só podia notar meu reflexo penoso pelo todo o que eu olhasse. Aquela lágrima que fora pintada à mão em meu rosto e que nunca havia escorrido…
Com o coração cheio do alegre-pesar de sempre, ele me explicava coisas sobre a leveza da força nos gestos, ou de como surgia o riso, enquanto um sorriso pintado surgia em seu rosto. Me caçoava o tempo todo pra testar minha alegria. Mas foi quando anunciou que talvez eu fosse   uma equilibrista de arame, da longa e estreitíssima ponte que dava acesso ao lado de lá, que ele devastou de uma vez a tristeza no meu peito. "A vida não tem rede embaixo, você precisa controlar a tremedeira".
De um baú de tranqueiras, arranjou-me um guarda-sol florido afim de suavizar minhas quedas de treino e prendeu forte com um laço no meu vestido, a fatídica arminha. Empurrou-me por aquela comprida linha das vidas, sussurrando já de longe: só atire quando estiver bem perto…