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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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sábado, 23 de novembro de 2013

Um sorvete, enquanto o sufoco vai passando...


                Entro na sorveteria um pouco sem jeito, tem dias que a gente acorda simplesmente não cabendo... Ou, sei lá.
             Este verde é de que moço? 
         O rapaz de avental azul-ultragás se aproxima do balcão, pisca os dois olhos rapidamente, pisca de novo, entorta um pouco a cabeça para ler a etiqueta úmida com letras borradas e respira tão perto do vidro, que embaça, o que não estava fácil, piorou. Pisca, pisca, pisca... Ele tem cílios enormes, penso, já me julgando a psicopata dos cílios. 

       – Pistache, moça! Ou é de menta? – e sorri embaraçado. Não quero confundi-lo ainda mais porque pensei em kiwi, então lhe peço uma prova na pazinha, que ele me concede feliz, ele escapou... Estou por minha conta. 
    – Pistache! – eu digo, como quem descobriu um continente que acabara de emergir no oceano índico. Talvez fosse. Ele se alegra com as sobrancelhas exclamadas. – Mas que diabos é pistache afinal? - falo, com vontade de gargalhar... - Que seja! Eu vim atrás de esperança mesmo... E este tom de verde parece me acalmar. 

      Se eu havia me julgado mal por conta de um par de cílios, que iria ele pensar agora de uma estranha que entra numa sorveteria atrás de esperança? Ele gargalha, estou salva. 

      – Perdeu o emprego moça? – arrisca.
      – Eu? Absolutamente. Trabalho eu tenho demais, não posso reclamar. Talvez seja isso... Ou não.
      – Então talvez te falte um namorado, é casada moça?

   Epa! Ganhei um pretendente de cílios enormes ou ele apenas trabalha na sorveteria para bancar a faculdade de psicologia? Desanimo logo em que me alinho melhor com a segunda opção. São anos de experiência em auto sabotagem, enfim.

  – Solteira, de alma e certidão. – respondo apontando o maior pote da prateleira em que ele poderia me servir o tal sorvete de pistache, ou menta, ou kiwi. - A vida esta sem gosto mesmo. Vim pelas cores. Logo...

   E me sentei, aparentemente sem pressa, eu e meu monstrengo sorvete verde. A pressa era por dentro.

 – Você parece uma moça legal! – ouço a voz generosa vindo detrás do aglomerado de tonéis de sorvetes coloridos.
  – Talvez, nobre sorveteiro, talvez. Ou talvez eu não seja daqui, só vim parar. Digo assim... No mundo. Como quem caiu aqui.
  – Parece sim, legal. Talvez um pouco diferente. – generoso de novo, gargalho no meio da explanação...  Não é todo dia que alguém sai em busca de esperança. Eu mesmo, semana passada estava sem nenhuma e consegui este emprego. Quem diria que eu iria vender esperança em plena terça-feira! 
 – Quem diria! – acrescento animada, enquanto faço um gesto engraçado segurando a barriga, de quem já esta satisfeitíssima e nem chegou na metade do pote, imenso.

  – Quanto é? 
  – Não é nada. Esperança é de graça.
  – Embrulha?






sábado, 16 de novembro de 2013

Meu amigo não entende nada de poesia, mas chora.


     - Chora Zi. 


     - Não dá tempo, droga, eu tô tão atrasada...

     - Quem disse aquela parada de arrumar tempo pra chorar tudo que não dava tempo?

     - Drummond, Caio...?

     - Caio F.?

    - Não, criatura. Caio é você, seu nome, não? Céus! – gargalhadas - Drummond foi quem escreveu isto, foi uma pergunta daquelas retóricas... Drummond né? De só podia ser, sabe? “Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar". Algo assim.

     - Ah, entendi. Bonito isso viu. Por que você não marca uma hora Zi?

   - Choro sai a hora que ele bem quer, temperamental. E tem choro que demora, não dá. Quem vai pagar minhas contas? É sempre assim. Penduro o choro no ombro, junto com a bolsa pesada e vou indo quase perdendo o ônibus.

    - Eu mesmo enchi o olho de água hoje de manhã. Não entendi direito, mas chorei, mas foi bem pouco. 

     - Chora Caio.

     - Agora não dá. Tô atrasado... É então.