Entro na sorveteria um pouco sem jeito, tem dias
que a gente acorda simplesmente não cabendo... Ou, sei lá.
– Este verde é de que moço?
O rapaz de avental
azul-ultragás se aproxima do balcão, pisca os dois olhos rapidamente, pisca de
novo, entorta um pouco a cabeça para ler a etiqueta úmida com letras borradas e
respira tão perto do vidro, que embaça, o que
não estava fácil, piorou. Pisca, pisca, pisca... Ele tem cílios enormes, penso,
já me julgando a psicopata dos cílios.
–
Pistache, moça! Ou é de menta? – e sorri embaraçado. Não quero confundi-lo
ainda mais porque pensei em kiwi, então lhe peço uma prova na pazinha, que ele
me concede feliz, ele escapou... Estou por minha conta.
– Pistache! – eu digo, como quem descobriu um continente que
acabara de emergir no oceano índico. Talvez fosse. Ele se alegra com as
sobrancelhas exclamadas. – Mas que diabos é pistache afinal? - falo, com
vontade de gargalhar... - Que seja! Eu vim atrás de esperança mesmo... E este
tom de verde parece me acalmar.
Se eu havia me julgado mal por conta de um par de cílios, que
iria ele pensar agora de uma estranha que entra numa sorveteria atrás de
esperança? Ele gargalha, estou salva.
– Perdeu o emprego moça? – arrisca.
– Eu? Absolutamente. Trabalho eu tenho demais, não posso
reclamar. Talvez seja isso... Ou não.
– Então talvez te falte um namorado, é casada moça?
Epa! Ganhei um pretendente de cílios enormes ou ele apenas
trabalha na sorveteria para bancar a faculdade de psicologia? Desanimo logo em
que me alinho melhor com a segunda opção. São anos de experiência em auto
sabotagem, enfim.
– Solteira, de alma e certidão. – respondo apontando o maior
pote da prateleira em que ele poderia me servir o tal sorvete de pistache, ou
menta, ou kiwi. - A vida esta sem gosto mesmo. Vim pelas cores. Logo...
E me sentei, aparentemente sem pressa, eu e meu monstrengo
sorvete verde. A pressa era por dentro.
– Você parece uma moça legal! – ouço a voz generosa vindo
detrás do aglomerado de tonéis de sorvetes coloridos.
– Talvez, nobre sorveteiro, talvez. Ou talvez eu não seja
daqui, só vim parar. Digo assim... No mundo. Como quem caiu aqui.
– Parece sim, legal. Talvez um pouco diferente. – generoso de
novo, gargalho no meio da explanação... – Não é todo dia
que alguém sai em busca de esperança. Eu mesmo, semana passada estava sem
nenhuma e consegui este emprego. Quem diria que eu iria vender esperança em
plena terça-feira!
– Quem diria! – acrescento animada, enquanto faço um gesto
engraçado segurando a barriga, de quem já esta satisfeitíssima e nem chegou na
metade do pote, imenso.
– Quanto é?
– Não é nada. Esperança é de graça.
– Embrulha?
Ainda bem que a esperança é de graça e é uma delícia :)
ResponderExcluirO que mais pode ter nesta sorveteria, gostaria de procurar outras cores por lá. =)
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