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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sobre a sorte


     Ontem à tarde, o dia marcou quatro horas e trinta e dois minutos, por umas duas horas mais ou menos. Dessas tardes em que a gente esquece o olhar num lugar qualquer do chão, daquele jeito meio entressonhado, enquanto que só as nuvens passam... Instantes revelando o sol, outros fazendo a sombra já gelada de final de abril. Parece uma gripe.

     Em frente do jardim, contei o tempo em que uma formiga levaria para escalar a minha bota ortopédica. Meditei sobre os tombos. Eu caio com certa frequência. E muitas vezes nem me machuco. Quedas lentas, registradas ângulo a ângulo por quem assiste, como aqueles moços dos programas de esportes na tv fazem para entender melhor o gol da seleção. Só então eu pouso no chão, como quem estava a performar um número de dança moderna. Há duas explicações para os meus tombos e que se emendam. Uma, que nasci sob a constelação de Sagitário, diz-se de pessoas um tanto desastradas, que caem, esbarram nas coisas e trombam nos batentes, mas que são influenciadas pelo seu planeta regente Júpiter, que lhes garante sorte e expansividade. Eu assino. Outra, que eu realmente acredito que se tentar me segurar em qualquer coisa que estiver por perto, estarei desperdiçando boa parte da minha sorte tentando evitar um tombo. Daí, eu não poderia reclamar se não me casei com aquele moço dos olhos mais lindos do mundo! É preciso sorte pra isso. E depois, eu também quero continuar tentando na Borboleta lá no jogo. E para isto, é também preciso que as canecas aqui de casa não combinem. É quase impossível encontrar uma igual a que se quebrou. Por exemplo, quando eu percebo que uma delas quer voar das minhas mãos com café e tudo, eu deixo. Até as canecas têm o direito ao fim. Eu fico triste, gosto muito de canecas.  Mas se elas querem escapulir das minhas mãos maternas e estatelarem-se ao chão como marias loucas varridas, o que eu posso fazer? Se eu tentar evitar isto, estarei influindo na lei natural das coisas, minha e delas. Minha de ser estabanada de nascença e delas de serem malucas. Todas as canecas são. E por conseguinte, penso que é preciso deixar as coisas à vontade com seus destinos.  Isto gera outra sorte. E a teoria maniqueísta de separar as coisas entre bem e mal pode bem ir passear, porque há males que vêm pra bem.
     Mas eu também não facilito não. Tenho medo de usar salto alto e quebrar o pé. Raras vezes coloco essas coisas. Disseram que quebrar o pé dói mais que pedra no rim e que dor de parto dói mais que pedra no rim. Acho também que pessoas em sala de espera de Hospital têm uma estranha tendência em te apavorar. Se seu problema é no rim, então dói mais que tiro de fuzil, basicamente. Aprendi a rir disso e a sala de espera virou uma grande fraternidade das dores. Depoimentos daquele que caiu da laje quando foi endireitar a antena e só quebrou o braço e do tombo mais insignificante na história mas que deixou a criatura desfigurada. Quando expliquei minha teoria da sorte, todo mundo ficou mais tranquilo. Era dalí, imediatamente para o balcão de apostas.

     De volta ao jardim, observando os beija-flores rodeando a primavera florida, concluo que até Deus tinha medo de cair, quando os inventou assim tão perfeitos em seus voos. Nunca vi um que trombasse, nunca vi um que caísse. Como a lâmpada ter sido inventada, talvez pelo medo do escuro, o telefone pelo medo da solidão e a música para apaziguar o silêncio.

     Se os extraterrestres conseguiram mesmo chegar até aqui um dia, aposto que foi para imitar-lhes a engrenagem tecnológica de sobrevoar imóveis no ar, sem cair. Outra sorte. Nesse caso, dos beija-flores.




Fotografia | Ziris


4 comentários:

  1. Zizis, meu Deus que texto peeerfeito! Li e reli e a sensação de bem-querer não saia da sala esperando a alma pra dançar.
    Um beijo...

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  2. Penso que todas coisas nesse mundo meio que estão sempre querendo sair do lugar, é só ouvir o ranger dos batentes.

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  3. Eu também acho poeta! :)

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  4. Menina Ziris,
    sorte é você ser você com essa sua maneira delicada de ver a vida,
    espiar redondezas pequenas, sentir a alma das coisas,espantar-se, observar com o coração,

    sorte é você escrever, e deixar a gente se emocionar com as tuas palavras.

    Você é uma menina de sorte,
    e torço para que essa tua sorte te faça sorrir muito, menina!

    Beijo

    Be

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