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Aqui a poesia é amadora. A música e a fotografia, amadoras. Tudo dentro deste peito é amador.

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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O dia em que Manoel de Barros foi ao asilo


Dez horas da manhã é cedo demais para uma história Dona Paulina? - Arrisquei, receosa de precisarmos voltar mais tarde, eu e o livro.

Mas os olhos dela se levantaram como um gato que salta ao encontro de uma coloridíssima borboleta, certo já, de que não a aprisionaria, senão apenas no reflexo de seu olhar. - Olhe, faz um frio, quem sabe tua história me esquente.
Sentei à sua frente, num banquinho mais anão. Ela, xale cobrindo as pernas, chá de cidreira, andou que foi só solidão. E solidão na idade dela, é saudade que se escora nas paredes do peito. O tempo já murcho, como a fina pele que lhe envolve os dedos e com afinco, volta e meia, seguram a agulha de croche, apesar do incomodo tremor. 
Eu disse - Gostas de poesia Dona Paulina? - Em um aceno desanimado de ombros, ela diz - que seja! - E então, gaguejo duas vezes antes de engrenar a leitura...



'Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
— Imagens são palavras que nos faltaram.
— Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
— Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo).
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos,
retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.'



Daí que Dona Paulina soltou a risada mais gostosa dos últimos tempos - Quár o nome dele fia? Do poeta? - Manoel! - respondi, alegre alegre. - Mas veja só! - E ria e ria, ela, toda ela. - Leia mais um vá.


E li, mais um e outro e outros. A todo tempo verificando o curioso semblante de Dona Paulina. Surpreso. Diria, encantado. E me despedi, mas não sem antes depositar o livro entre o xale amarelo em seu colo e suas mãos morninhas.









O livro: O guardador de águas



P.S. 1:  Infelizmente não tive a oportunidade de registrar Dona Paulina num click meu. Asilos são lugares onde se pisa silenciosamente, para não despertar tantas recordações.

P.S. 2:  Talvez, eu tenha conquistado uma nova amiga e se assim for, prometo voltar com um registro de sua terna 'aparição'. Por conta disto, anexei uma imagem, esta que veem, colhida no google e da qual não consegui decifrar o autor original, fico devendo.

P.S. 3:  De todas as coisas que já escrevi aqui, Manoel foi o responsável por, pelo menos 80%, ele me mudou. Ele mudou a solidão de Dona Paulina. Entendi o que é escrever, realmente, depois de tanto tempo.

P.S. 4: Termino, dividindo o nosso abraço com vocês, tão demorado... 



9 comentários:

  1. Nem precisou do click, consegui visualizar o sorriso dela e a sua alegria de estar lendo para ela.
    agradeço por compartilhar.
    um abraço bem demorado, tanto quanto ao da dona Paulina.

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  2. Não tenho conhecido mais gente assim, nem como você, nem como ela. Estou marcado feito boi por você. Eu fui o gato, você a borboleta. Voltaria a m ligar se eu te pedisse, se não continuo bebendo e tudo bem rss.

    saudades

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  3. Me deu um arrepio. Um arrepio emocionado. Diria, encantado. Quanta delicadeza e sensibilidade cabem na tua alma! Então, concluo que ela é grande. Tão grande que me alcança.
    Alcança e me preenche de ti, de Dona Paulina, Manoel de Barros, e tantas outras coisas que você presenteia.

    Você é incontestavelmente uma pessoa LINDA! E foi dos maiores achados da minha alegria de te conhecer. Aí me diz: tem como a gente não se encantar contigo? Tem como a gente te esquecer?
    NÃO.
    {demorei a ler. rs mas eu quis estar com minha alma limpa. eis-me aqui.}

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  4. Dona moça encantada...

    Simplesmente divino! Arrepiou a alma, pois tocou o coração.

    Sabes bem da minha paixão pelo Manoel e também pelo encanto das tuas palavras. Amei... chorei ... emocionei.

    Te abraço forte, minha flor!

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  5. Ziris...

    Não só Dona Paulina, mas eu também tenho vontade de te dar um abraço bem apertado depois de tamanha lindeza!!
    Não importa o tempo da utilidade, esse pode passar. O que vai ficar é o significado que foi deixado. Esse nem as linhas do tempo poderão apagar!
    Um beijo enorme e emocionado.
    Carol

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  6. Que maravilha realizar esse encontro. =)

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  7. Senti! Gostei demais! O tempo pode passar, não é? Simplesmente o que fica, fica.

    Beijos,
    mil inspirações.

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  8. Coisa linda viu?! Desses momentos que ficam não apenas pela emoção que causam mas por serem cheios de sentido.
    Bjs

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  9. Zi!

    Obrigada por dividir, com tanta poesia, esse belíssimo encontro.
    Fiquei pensando nas Pualinas por aí, esperando que mãos simples lhes levem Manoel, ou ao menos um abraço.

    Não vou me estender em palavras para não destruir a sacralidade de tudo isso.
    Me despeço por hoje emocionada!

    Um grande e demorado abraço, moça!

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