Talls,
hoje quando acordei, tinha uma
tirinha de sol escorrendo por uma fresta tão justa na janela que deu
dó de não escancarar. Mas eu me aguentei. Era cedo demais pra
acordar e tarde pra despertar. Deixei aquela tirinha brincar comigo
um pouco na cama. Foi uma das primeiras vezes que acordei quieta. É.
Eu acordo e já começo a pensar, fico na cama uns minutos até o
mundo assentar de vez no que era sonho, mexendo no cabelo, cutucando
a cutícula, criando uns filmes na cabeça. Mas dessa vez não,
fiquei quieta. Era tão bonita aquela tirinha dourada tremulando
vagarosa no lençol, nos pés, no joelho, que eu aquietei. Foi um
único momento de genuína paz em meses. Aquele pequeno corredorzinho
purpurinado. Essa cidade é hard core demais. As pessoas já não tem
mais árvore dentro de si. Acabou. Esses dias assisti Boyhood.
Deveria ter visto antes. Sério. Em um momento é discutida a
existência da dimensão intermediária. Eu falo com alguém que ao
mesmo tempo me “ouve” e checa suas mensagens no celular, e em
todas as possibilidades onde hoje é possível receber uma mensagem.
Me ouve e lê, me ouve e lê. No final das contas ele não sabe dizer
de nós, nem de mim e nem da outra pessoa, porque não estava
presente com nenhuma das duas, efetivamente. E é triste não
conhecer uma pessoa que te quer bem. Precisei deixar algumas destas
pessoas para trás, Talls. É doloroso, mas eu não poderia servir a
este propósito. Você entende. A poesia do mundo já está quase
acabando. É preciso mesmo fazer o caminho contrário como o mocinho
do filme fez, ir de encontro a arte dele, sair da dimensão
intermediária. E não faz mal se a gente se entregar às vezes.
Reavivar, todos os dias, a graça contida nas coisas é árduo bem
como sublime, igualmente.
Ganhei muitos livros neste
aniversário. Até um Neruda enorme! Fiquei exclamada. O costume de
presentear está se esvaindo como a poesia. Cada vez que, raramente,
ganho alguma coisa, me lembro de você. Que bondade! Que doçura nas
mãos. A fazedora mais doce de embrulhos e objetos de adoração!
Estou lendo, de um dos livros ganhados, um conto de Rachel de Queiroz
chamado Tangerine-Girl. Não é bonito este título? Quis ouvir
Tangerine do Led Zeppelin imediatamente, o conto é lindo. Vou
transcrevê-lo pra você.
Me mande sempre notícias, tá
bem? Recolha-se à sua concha quando preciso, porque eu sei que é
preciso, você é uma pérola! Mas não desapareça. Sua poesia areja
o sufoco cinza que paira sobre essa cidade. E não se esqueça, o
caos é fora, é fora, é fora. Um dia a gente se vê por aí, nem
que seja no meio do caminho. Nem que o meio do caminho seja a Itália,
seja Portugal ou Piraporinha do Bom Jesus.
Tudo vai dar pé.
Te amo.
Zi
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