Tentei deitar os olhos por mais noites seguidas do que eu pude contar. Mas parece mesmo que eles tinham muito mais a fazer, como ficar dando visão aos pensamentos muito bem acordados de uma cachola ressabiada.
Precisei me juntar a eles para não ficar sozinha na cama. Só o coração implorava um sono eterno, mesmo sob o hipnótico efeito de fé que o tercinho azul operava ao balançar por entre meus dedos, enquanto eu mirabolava um perdão além das possibilidades.
Precisávamos salvar vidas ainda naquela noite ou então tudo teria sido em vão. Por algum motivo, que não desprezo, a mente daquele moço ficara no automático de suas fraquezas enquanto ele estava... não sei onde. E por isso, tomei a raiva por impulso, como um análgésico que decidi por não administrar a cartela toda. Afinal, o moço não só se perdera como não havia conseguido ainda se encontrar. Compreender sua consumição era como estender nuanças mais leves pelos dias. Coisas das quais me sobram no olhar. E escrever foi apenas a menor distância que encontrei para abraçar. Quem sabe que eu assim, consiga lançá-lo à um mergulho desatado para dentro de si. E eu seria feliz. Ainda mais, se puder um dia ensinar aos meus filhos, onde fica abrigada a alma. Não quero mais correr o risco de esbarrar numa ausência assim tão funda. Uma herança de respiros valiosos.
Mas na verdade eu só precisava dizer ao moço, que tivemos as vontades bifurcadas a medida que nos aproximávamos do espelho. E que por isso, agora somos apenas e muito, a moça e seus sonhos, o moço e seus caminhos, mas com tons e força diferentes. Precisava dizer que essas eram as únicas chaves que eu possuía para abrir todas as gaiolas das quais criamos. Viver não precisava doer. Mas eu precisei. Como preciso dizer, que foi assim que gastei as dores todas, uma a uma nas contas daquele tercinho azul de rezar.
'Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos.'
Guimarães Rosa
Imagem, Amanda Cass